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Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Especialistas europeus e latino-americanos reúnem-se na capital alemã para discutir de que forma o discurso de Walter Benjamin é tratado de formas distintas nos dois continentes.
Embora Walter Benjamin (1892-1940) seja conhecido dos dois lados do Atlântico como crítico literário, filósofo, ensaísta, filólogo, teórico da Era Moderna e da revolução midiática do século 20, a leitura dos textos do pensador na América Latina distingue-se daquela existente na Europa.
Entre os latino-americanos, percebe-se um interesse mais acentuado pelas intenções políticas e pela crítica à mídia exercida por Benjamin, acreditam os organizadores de um simpósio que se realiza nesta terça-feira (29/06), no Instituto Ibero-Americano de Berlim.
Na contramão do sistema
"O recorte que marca uma distinção muito clara entre a recepção latino-americana e a europeia da obra do autor", acredita o argentino Miguel Vedda, professor de Literatura Alemã da Universidade de Buenos Aires, "é que, ao contrário do que ocorre na Alemanha e em boa parte da Europa, Benjamin é importante na América Latina também por suas contribuições para uma concepção materialista da história e da cultura".
É por isso, observa Vedda à Deutsche Welle, que seu nome "se tornou um referencial obrigatório para diferentes movimentos sociais na América Latina, que se apoiam em sua crítica do progresso ou em sua proposta de escrever a história a partir do ponto de vista dos oprimidos", possibilitando modos de lidar com a política e formas de conceber a prática intelectual "que caminham na contramão de formas institucionais já cristalizadas".
Figura simbólica
Vedda, que é organizador, entre outros, de várias obras relacionadas ao legado de Benjamin, como Observações Urbanas – Benjamin e as novas cidades, fala no simpósio em Berlim não apenas sobre a ligação do pensador com os movimentos sociais latino-americanos, mas também com "a figura do intelectual" no continente.
Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Márcio Seligmann-Silva"Benjamin via a história como um palco onde aquilo a que chamamos de progresso é revelado como sendo um acumular de catástrofes. Esta visada dramática, e ao mesmo tempo radicalmente crítica, atrai os intelectuais latino-americanos, que convivem em sociedades marcadas pela desigualdade e por tremendos conflitos sociais", analisa em entrevista à Deutsche Welle o pesquisador brasileiro Márcio Seligmann-Silva, professor da Universidade de Campinas, autor e organizador de vários volumes sobre a obra de Benjamin.
Na América Latina, diz Seligmann-Silva, "Benjamin é reverenciado intelectualmente, mas também cultuado como uma figura simbólica, que encarna a luta por um mundo não só melhor, mas radicalmente outro".
Para o teórico brasileiro, é inegável que na América Latina haja um predomínio da "leitura política" da obra de Benjamin, ou seja, de suas posições revolucionárias. Vale lembrar, contudo, que Benjamin nunca se filiou a partidos, tendo sido, inclusive, um grande crítico da política como instituição.
Anarquismo melancólico de esquerda
Em Benjamin, com também "em outra figura próxima a ele como foi Sigfried Kracauer", assinala Vedda, encontra-se uma concepção do intelectual provocadora e muito atual: aquele que se posiciona entre as frentes, fiel aos compromissos com os problemas sociais de seu tempo, mas se negando "a sacrificar seu intelecto, a subordiná-lo aos ditames de um partido ou de uma organização", resume o teórico argentino.
"Na verdade, a consciência crítica radical de Benjamin sempre o empurrava para uma espécie de anarquismo de esquerda melancólico", analisa Seligmann-Silva. "É esta também, em boa parte, a coloração política de intelectuais na América Latina descontentes com a 'grande política' e fascinados com o frescor e a radicalidade das ideias de Benjamin", observa o pesquisador.
A própria vida trágica do pensador, lembra Seligmann-Silva, desperta empatia entre esta intelectualidade latino-americana. Benjamin se suicidou na fronteira entre a França e a Espanha, quando tentava fugir da perseguição do regime nazista.
Memória dos vencidos
Além da exibição do documentário Quién mató a Walter Benjamin, uma coprodução entre Espanha, Holanda e Alemanha de 2005, dirigida por David Mauas, o simpósio propõe vários debates, entre eles, uma mesa redonda sobre a importância do discurso de Benjamin para as discussões sobre o espaço urbano, temática bastante recorrente na América Latina, um continente caracterizado pelo alto número de metrópoles.
Além da ligação do autor com a política, o espaço urbano e a mídia, o seminário em Berlim trata também da questão da memória, conceito relevante na obra do judeu alemão Benjamin.
Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Benjamin no exílio, em 1937Para ele, "a memória deveria ser revalorizada como meio de nos relacionarmos com o passado. O registro da memória é mais aberto, voltado para os vencidos, aceita os testemunhos e as imagens (e não só a escrita burocrática) e não se apega a uma pseudo-imparcialidade", comenta Seligmann-Silva.
Sociedades pós-ditadura
Na América Latina, lembra o teórico brasileiro, "os discursos da memória têm ocupado um espaço importante nas sociedades pós-ditadura. Memoriais são construídos, testemunhos são publicados e toda uma política e prática jurídica se articulam em torno desta memória do mal. A obra de Benjamin – com seu teor salvacionista – tem auxiliado na construção desta cultura da memória, que é também uma luta contra o esquecimento e a perpetuação da injustiça".
No mais, diz Seligamnn-Silva, em um século de catástrofes "com o genocídio armênio, Auschwitz, Hiroshima, os gulags de Kolima, as ditaduras sangrentas que marcaram a América Latina, o massacre dos Tutsis e tantos outros genocídios, novas modalidades de se relacionar com os mortos e com o passado precisavam ser desenvolvidas".
Talvez exatamente aí – nessa intenção de voltar o olhar para o passado e tentar reescrevê-lo a partir do testemunho, à margem da escrita oficial – possa estar o ponto de interseção entre a recepção do legado benjaminiano na Europa e na América Latina. "A obra de Benjamin continua a servir na confecção destas novas paisagens da memória, infelizmente ainda muito tingidas de sangue", como resume Seligmann-Silva.
Autora: Soraia Vilela
Revisão: Rodrigo Rimon
Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Especialistas europeus e latino-americanos reúnem-se na capital alemã para discutir de que forma o discurso de Walter Benjamin é tratado de formas distintas nos dois continentes.
Embora Walter Benjamin (1892-1940) seja conhecido dos dois lados do Atlântico como crítico literário, filósofo, ensaísta, filólogo, teórico da Era Moderna e da revolução midiática do século 20, a leitura dos textos do pensador na América Latina distingue-se daquela existente na Europa.
Entre os latino-americanos, percebe-se um interesse mais acentuado pelas intenções políticas e pela crítica à mídia exercida por Benjamin, acreditam os organizadores de um simpósio que se realiza nesta terça-feira (29/06), no Instituto Ibero-Americano de Berlim.
Na contramão do sistema
"O recorte que marca uma distinção muito clara entre a recepção latino-americana e a europeia da obra do autor", acredita o argentino Miguel Vedda, professor de Literatura Alemã da Universidade de Buenos Aires, "é que, ao contrário do que ocorre na Alemanha e em boa parte da Europa, Benjamin é importante na América Latina também por suas contribuições para uma concepção materialista da história e da cultura".
É por isso, observa Vedda à Deutsche Welle, que seu nome "se tornou um referencial obrigatório para diferentes movimentos sociais na América Latina, que se apoiam em sua crítica do progresso ou em sua proposta de escrever a história a partir do ponto de vista dos oprimidos", possibilitando modos de lidar com a política e formas de conceber a prática intelectual "que caminham na contramão de formas institucionais já cristalizadas".
Figura simbólica
Vedda, que é organizador, entre outros, de várias obras relacionadas ao legado de Benjamin, como Observações Urbanas – Benjamin e as novas cidades, fala no simpósio em Berlim não apenas sobre a ligação do pensador com os movimentos sociais latino-americanos, mas também com "a figura do intelectual" no continente.
Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Márcio Seligmann-Silva"Benjamin via a história como um palco onde aquilo a que chamamos de progresso é revelado como sendo um acumular de catástrofes. Esta visada dramática, e ao mesmo tempo radicalmente crítica, atrai os intelectuais latino-americanos, que convivem em sociedades marcadas pela desigualdade e por tremendos conflitos sociais", analisa em entrevista à Deutsche Welle o pesquisador brasileiro Márcio Seligmann-Silva, professor da Universidade de Campinas, autor e organizador de vários volumes sobre a obra de Benjamin.
Na América Latina, diz Seligmann-Silva, "Benjamin é reverenciado intelectualmente, mas também cultuado como uma figura simbólica, que encarna a luta por um mundo não só melhor, mas radicalmente outro".
Para o teórico brasileiro, é inegável que na América Latina haja um predomínio da "leitura política" da obra de Benjamin, ou seja, de suas posições revolucionárias. Vale lembrar, contudo, que Benjamin nunca se filiou a partidos, tendo sido, inclusive, um grande crítico da política como instituição.
Anarquismo melancólico de esquerda
Em Benjamin, com também "em outra figura próxima a ele como foi Sigfried Kracauer", assinala Vedda, encontra-se uma concepção do intelectual provocadora e muito atual: aquele que se posiciona entre as frentes, fiel aos compromissos com os problemas sociais de seu tempo, mas se negando "a sacrificar seu intelecto, a subordiná-lo aos ditames de um partido ou de uma organização", resume o teórico argentino.
"Na verdade, a consciência crítica radical de Benjamin sempre o empurrava para uma espécie de anarquismo de esquerda melancólico", analisa Seligmann-Silva. "É esta também, em boa parte, a coloração política de intelectuais na América Latina descontentes com a 'grande política' e fascinados com o frescor e a radicalidade das ideias de Benjamin", observa o pesquisador.
A própria vida trágica do pensador, lembra Seligmann-Silva, desperta empatia entre esta intelectualidade latino-americana. Benjamin se suicidou na fronteira entre a França e a Espanha, quando tentava fugir da perseguição do regime nazista.
Memória dos vencidos
Além da exibição do documentário Quién mató a Walter Benjamin, uma coprodução entre Espanha, Holanda e Alemanha de 2005, dirigida por David Mauas, o simpósio propõe vários debates, entre eles, uma mesa redonda sobre a importância do discurso de Benjamin para as discussões sobre o espaço urbano, temática bastante recorrente na América Latina, um continente caracterizado pelo alto número de metrópoles.
Além da ligação do autor com a política, o espaço urbano e a mídia, o seminário em Berlim trata também da questão da memória, conceito relevante na obra do judeu alemão Benjamin.
Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Benjamin no exílio, em 1937Para ele, "a memória deveria ser revalorizada como meio de nos relacionarmos com o passado. O registro da memória é mais aberto, voltado para os vencidos, aceita os testemunhos e as imagens (e não só a escrita burocrática) e não se apega a uma pseudo-imparcialidade", comenta Seligmann-Silva.
Sociedades pós-ditadura
Na América Latina, lembra o teórico brasileiro, "os discursos da memória têm ocupado um espaço importante nas sociedades pós-ditadura. Memoriais são construídos, testemunhos são publicados e toda uma política e prática jurídica se articulam em torno desta memória do mal. A obra de Benjamin – com seu teor salvacionista – tem auxiliado na construção desta cultura da memória, que é também uma luta contra o esquecimento e a perpetuação da injustiça".
No mais, diz Seligamnn-Silva, em um século de catástrofes "com o genocídio armênio, Auschwitz, Hiroshima, os gulags de Kolima, as ditaduras sangrentas que marcaram a América Latina, o massacre dos Tutsis e tantos outros genocídios, novas modalidades de se relacionar com os mortos e com o passado precisavam ser desenvolvidas".
Talvez exatamente aí – nessa intenção de voltar o olhar para o passado e tentar reescrevê-lo a partir do testemunho, à margem da escrita oficial – possa estar o ponto de interseção entre a recepção do legado benjaminiano na Europa e na América Latina. "A obra de Benjamin continua a servir na confecção destas novas paisagens da memória, infelizmente ainda muito tingidas de sangue", como resume Seligmann-Silva.
Autora: Soraia Vilela
Revisão: Rodrigo Rimon
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