sabato 17 aprile 2010

TODAS AS CORES DE RIMBAUD

FOLHA DE SAO PAULO
Todas as cores de Rimbaud
Em ensaio biográfico, Edmund White analisa a produção poética do autor de "Iluminações" à luz da vida turbulenta e do romance com Verlaine

FABIO VICTOR

Como tantos jovens ocidentais do século 20, Edmund White encantou-se com o rebelde Arthur Rimbaud (1854-1891) logo ao descobrir as dores do mundo. Adulto, na pesquisa para "Rimbaud - A Vida Dupla de Um Rebelde" (Companhia das Letras), ele ficou mais fascinado pelo escritor imenso que havia além do mito.
É ao poeta iconoclasta, que em apenas quatro anos de produção literária forjou um estilo revolucionário, que White se atém em seu ensaio biográfico.
Uma vez que seria mesmo impossível, ele não ignora a construção do "enfant terrible", obsceno, insolente e aventureiro. "Acho que existe um Rimbaud para qualquer idade", disse White em entrevista à Folha. "O rebelde e diabólico agrada aos adolescentes; o grande artista fala ao leitor maduro; a figura trágica atrai homens e mulheres mais velhos."
O que alinhava os tantos mundos de Rimbaud, no relato de White, é o romance com o também poeta Paul Verlaine, permeado por violência (que culmina com tiro e prisão), rompimentos e reconciliações, perversões e absinto, mas sobretudo por poesia.
Aspectos menos notórios da vida de Rimbaud -como o do filho mimado que sob dificuldade recorria à mãe ou mesmo voltava à casa dela no interior da França- emprestam à obra um verniz de biografia clássica que não é, como frisa o autor, seu propósito inicial.
Para conhecer a fundo a vida de Rimbaud, White recomenda as biografias de Jean-Jacques Lefrère, em francês, e Graham Robb, em inglês -nenhuma das duas lançada no Brasil.


Escritor despreza o Rimbaud adulto
Livro dá pouco destaque aos anos finais do poeta, época em que traficou armas na África e era, para White, ganancioso

Em entrevista, americano defende que ambiguidade da obra e colorido da vida manterão aceso interesse por menino-prodígio francês

France Presse

Apresentada anteontem no Salão de Livros Antigos, em Paris, foto foi tirada em 1880 num hotel de Áden, no Iêmen, quando o poeta tinha 26 anos; a imagem foi encontrada num mercado de pulgas

DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 20 anos, Rimbaud já tinha abandonado a literatura. Construiu sua obra dos 15 aos 19 anos e de repente guinou sua vida até se fixar em Áden, atual Iêmen, base da empresa para a qual trabalhou como mercador de café, marfim, peles etc. Foi enviado a Harar, Etiópia, circulou pela África, traficou armas.
Era um outro homem, sisudo, trabalhador e envergonhado do passado. Este Rimbaud é explorado brevemente por Edmund White em seu livro. Em entrevista, o autor diz que preferiu priorizar o poeta ao adulto ganancioso e insensível.
Autor de biografias de Jean Genet e Marcel Proust, de romances autobiográficos em que aborda sua homossexualidade, o americano White viveu por 16 anos em Paris, período em que se baseou para escrever o "O Flâneur", roteiro lírico-sentimental da cidade onde nasceu o romance entre Rimbaud e Verlaine. (FABIO VICTOR)

FOLHA - O sr. já disse que hoje considera Rimbaud "menos heroico como pessoa, mas talvez ainda mais interessante como escritor". O que lhe levou a essa avaliação?
EDMUND WHITE - Comparado ao mítico Rimbaud que eu idolatrava meio século atrás, quando era um adolescente, o Rimbaud que descobri ao escrever sobre ele é um escritor engenhoso, original e iconoclasta que elaborava seus versos de três diferentes modos: romântico no estilo de [Victor] Hugo; simbolista no estilo completamente inovador de "Uma Temporada no Inferno"; e inteiramente original na prosa poética e nas visões de indiferente distopia de "Iluminações".

FOLHA - Qual a melhor idade para idolatrar Rimbaud? E qual a melhor idade para compreendê-lo?
WHITE - Acho que existe um Rimbaud para qualquer idade. O rebelde e diabólico agrada aos adolescentes; o grande artista fala ao leitor maduro; a figura trágica atrai homens e mulheres mais velhos.

FOLHA - Rimbaud, tal qual o conhecemos, teria existido sem Verlaine? E haveria Verlaine sem Rimbaud?
WHITE - Verlaine já existia como um poeta melancólico e altamente musical antes de Rimbaud, mas seu trabalho adquiriu urgência autobiográfica e audácia técnica sob a influência dele. Rimbaud admirava Verlaine antes de conhecer o poeta mais velho, mas, temos de lembrar, já havia escrito "O Barco Ébrio", um de seus mais importantes poemas, antes de tê-lo encontrado. Entretanto, o atormentado caso de amor entre eles abasteceu a obscura força narrativa de "Uma Temporada no Inferno".

FOLHA - Como o projeto de "desregramento de todos os sentidos", com haxixe e absinto, influenciou a trajetória de Rimbaud?
WHITE - Esse projeto, já familiar à vida e à obra de Baudelaire e de Coleridge, proveu Rimbaud da distância necessária do universo provinciano, burguês e católico da vila de sua mãe [no interior da França] e permitiu a renovação de uma linguagem poética que se tornara enfraquecida com os parnasianos.

FOLHA - Por que o sr. priorizou o Rimbaud adolescente e pouco abordou seus últimos anos, como traficante de armas?
WHITE - Eu estava interessado em Rimbaud como escritor, não como traficante de armas. Em suas cartas da África ele surge como um materialista ganancioso, indiferente ao sofrimento humano e incapaz de afeição, focado apenas em sua ânsia por dinheiro. Sua autocomiseração também é imensa.

FOLHA - A grande influência que Rimbaud exerce na cultura ocidental deve ser atribuída mais à sua obra poética ou à sua vida aflitiva -se é que é possível separá-los?...
WHITE - Rimbaud inventou o poema obscuro. Antes dele quase todo poema podia ser decifrado com paciência bastante. Mas a ambiguidade que repousa no coração da poesia de Rimbaud permite que ele seja considerado um visionário, um católico, um socialista, um esteta, um ativista gay e por aí vai. Essa infinitude, junto com a violência e o colorido de sua lenda pessoal, sempre atrairão leitores de todos os tipos.


Nessun commento:

Posta un commento